O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

Reler a história




Por Jean André Fieschi 

O que nos propõem as Histórias do Cinema – mesmo as melhores – senão a disposição definitiva, no interior de um espaço coerente e orientado, de obras, de tendências, de técnicas e de ideias? Guardiãs de hierarquias e de classificações muito raramente postas em causa, elas parecem menos abrir o presente (exceto Sadoul) do que preservar ciosamente um passado detentor de maravilhas esquecidas (aprendemos aí que as receitas do burlesco estão hoje perdidas), ou rica de experiências abortadas (as pesquisas formais da Escola Francesa entre 1920 e 1927, dita Escola impressionista, não teria sido nada além de aberrações simpáticas, privadas de qualquer futuro). 

Espaço fechado, demarcado, cultural, que contesta ou enriquece-se a cada dia pela dupla programação da Cinemateca Francesa, onde, para além da sábia anarquia dos títulos propostos, se efetua a mais rigorosa das atualizações da História. Espaço aberto, móvel, texto a decifrar e passar a limpo em todos os sentidos. A partir de agora, nada de se falar aqui das “raízes bávaras” de Lubitsch ou de acreditar ainda que Dziga Vertov seja o ancestral do cinema-verdade. Aqui se operam mudanças de ponto de vista que só se opõem à História dos manuais porque elas são a História em vias de se fazer. Que Lotte H. Eisner, em sua obra notável ("A Tela Demoníaca"), reprove em Escada de Serviço, de Leopold Jessner, “uma ruptura grande demais de tom entre os estilos utilizados”, isto é sem dúvida uma opinião que devemos levar em consideração. Mas Bernardo Bertolucci, fascinado pelo filme, admirará o que, desajeitado aos olhos de Lotte Eisner, será para ele um dos trunfos formais mais evidentes do filme. Assim, Straub redescobrirá Lubitsch (para ele em pé de igualdade com Murnau ou Lang); ou Rivette, Lupu Pick. 

O advento de uma geração de cineastas conscientes de sua herança finalmente escreve a História que esperávamos. O mais belo texto crítico sobre o Tartufo de Murnau se chama Não Reconciliados, a mais forte exegese de Vampires de Feuillade se nomeia O Ano Passado em Marienbad, e quanto às formas abertas de Mack Sennett, é em Week-end à Francesa ou Tempo de Guerra que hoje devemos procurar suas chaves. O que há a dizer, senão redescobrir nesse domínio uma das maiores intuições de Borges sobre a literatura? “Cada escritor, diz ele, cria seus próprios precursores”. Observação carregada de consequências, cujo primeiro efeito é, sem dúvida, impor a ideia de certa reversibilidade da história, que vai ao encontro do sentido único tantas vezes celebrado. Sabemos como a gênese de Cidadão Kane, por exemplo, acentua, por um viés chamado Toland, a filiação fordiana. Kane, portanto, vem depois de No Tempo das Diligências, cujo traço ele carrega. Influência repertoriada, comentada, explicada. Mas ainda podemos ver No Tempo das Diligências sem que, por um retorno insidioso, os claros-escuros e plongées wellesianos não expliquem, com tanta evidência, as coordenadas fordianas onde eles, contudo, nasceram? 

É este novo espaço histórico, que se percorre e se mede em todas as direções, que talvez nos reste compreender: é ele, e somente ele, que, em todo caso, os cineastas que nós amamos compreendem, de Godard à Resnais. Que nos seja então permitido, no limiar deste número sobre Lubitsch, sonhar com a influência de O Absolutismo: A Ascensão de Luís XIV sobre Madame Dubarry, ou com aquela da A Bela da Tarde sobre Anjo: o ato de leitura que os une não é um novo paradoxo do espaço-tempo, mas a mais necessária conquista do presente. 

Relire l’histoire foi originalmente publicado na revista Cahiers du Cinéma nº 198, fevereiro de 1968. Tradução: Luiz Fernando Coutinho.

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