O mais visual e o mais sensual dos cineastas é também aquele que nos introduz no mais íntimo dos seus personagens, porque ele é acima de tudo um apaixonado fiel da sua aparência e, através desta, da sua alma. O conhecimento em Renoir passa pelo amor e o amor pela epiderme do mundo. A agilidade, a mobilidade, o modelo vivo da sua realização é a sua preocupação em ornar, para seu prazer e nosso gozo, o vestido sem costuras da realidade.
Renoir francês - André Bazin

The Post – A Guerra Secreta: Spielberg ancora a democracia sobre as impressoras rotativas



Por Murielle Joudet

Com o furo jornalístico do “Washington Post”, o realizador filma um ideal de transparência. É também um esplêndido retrato de mulher que evolui em um mundo de homens.

Na última década, Steven Spielberg deu início a uma viagem pela história do cinema americano. Esta começou com os muito fordianos Cavalo de Guerra (2011) e Lincoln (2012), continuou com Ponte dos Espiões (2015), filme de espionagem construído em torno de Tom Hanks. Com The Post – A Guerra Secreta, a viagem continua pelo gênero hollywoodiano do filme jornalístico, abordado em sua vertente clássica e populista (no sentido positivo do termo): de A Dama de Preto (1952), de Samuel Fuller, ao cinema de Frank Capra, filmar a imprensa consiste muitas vezes em dar corpo à ideia de democracia através das engrenagens de um de seus pilares.

Nunca adaptados para o cinema e precedendo o caso Watergate, os “Pentagon Papers” são o nome dado um dossiê de segredos de Estado publicado na virada dos anos 1970 pelo New York Times e depois pelo Washington Post, então pequeno jornal que sonhava em se tornar grande. Contendo trinta anos de mentiras do Estado e informações sobre o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, sua divulgação acabará por deteriorar o apoio da opinião pública ao intervencionismo americano. Esta história, que o filme recentraliza sobre uma decisão a ser tomada – publicar ou não o furo de reportagem –, encontra a reorientação clássica do cineasta.

Impressoras rotativas em fúria, sala de imprensa em ebulição: Spielberg respeita literalmente os códigos do filme político-jornalístico e sua mise en scène deleita-se com a captura dessa agitação permanente. As numerosas reviravoltas que pontuam a narrativa são secundárias em relação a um movimento mais amplo, que é ao mesmo tempo o do ritmo febril da imprensa e o de uma mise en scène que mantém uma relação mimética com seu tema.

Cada movimento de câmera nos sugere que o ideal jornalístico é uma questão de velocidade que nada, nem mesmo um segredo de Estado, deve entravar. No cuidado com que Spielberg filma todas as etapas da concepção de um jornal, adivinhamos o que os grandes cineastas clássicos já captavam: esse movimento eufórico é o da democracia.

Esse episódio crucial da história da imprensa americana nos é contado, antes de tudo, através do itinerário da diretora do Post, Katherine Graham, impulsionada a encabeçar o jornal após a morte de seu pai e o suicídio de seu marido. Única mulher em um mundo de homens, Graham internalizou a suspeita de incompetência que se volta contra ela, nunca se deslocando sem sua horda de conselheiros que decidem em seu lugar. Enquanto o Post se prepara para uma oferta pública na Bolsa, a oportunidade de divulgar o conteúdo dos “Pentagon Papers” confronta-a com um dilema que pode custar a vida de seu jornal.

A virtuosa velocidade da democracia e o ideal de transparência se veem subitamente refreados, suspensos à decisão da diretora diante da escolha entre fazer valer a primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos e suas conexões com o mundo político. A partir desse momento, duas velocidades se confundirão graças a uma montagem paralela: esta, lenta, do modo de vida da diretora, cujos dias se sucedem ao ritmo dos jantares sociais e das reuniões com os investidores. A precisão da interpretação de Meryl Streep (que encontra aqui um de seus mais belos papéis desde muito tempo) chega a dar conta do menor movimento interior de sua personagem. Ao lado, o ritmo febril da redação encabeçada por Ben Bradlee (Tom Hanks), que, esperando a decisão de Graham, tem pouco tempo para organizar o conteúdo dos dossiês secretos.

Toda a força emocional de The Post – A Guerra Secreta consiste em fazer do filme jornalístico uma moldura para o esplêndido retrato de mulher que surge do plano de fundo. Unida a ela, a mise en scène de Spielberg dá a sensação de apoiá-la, de encorajá-la. Se o desenlace cristaliza-se em torno de uma decisão, The Post – A Guerra Secreta é também a história de uma montagem paralela que deve se desfazer para que o movimento de Kay se funda àquele do Post.

Para ela, contrair o vírus da imprensa é ser tomada em um movimento, como bem o demonstrava o frenesi de Jejum de Amor, de Howard Hawks. Mas, ao contrário deste filme, nenhum traço de romance em The Post - A Guerra Secreta. Na revista online Vulture, Liz Hannah, jovem roteirista de 32 anos que assina com Josh Singer o roteiro do filme, reconhece ter sido surpreendida por ver seu roteiro – “uma história de quinquagenários onde ninguém se beija” – levado à tela. O habitual caso amoroso hollywoodiano foi substituído por outro tipo de união maravilhosamente expressa em um dos últimos planos do filme: nas costas de uma Kay triunfante, a dança das impressoras rotativas retoma mais bela do que nunca, e parece figurar tanto o movimento de uma consciência individual quanto de um destino coletivo.

« Pentagon Papers » : Spielberg ancre la democracie sur les rotatives foi publicado no jornal Le Monde em 23 de janeiro de 2018 (« Pentagon Papers » : Spielberg ancre la démocratie sur les rotatives (lemonde.fr)). Tradução : Luiz Fernando Coutinho.

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