Por Dominique Païni
Curiosa época essa pouco sensível às ondulações, às alternâncias de uma aventura estética. No entanto, ao que tudo indica o ecletismo não é estranho à obra de artistas do século XX.
Curiosa época que se distingue ao prever tudo, a tudo pressagiar e decidir antecipadamente o interesse ou o êxito de uma obra na medida de um quadro intangível no qual inscrevemos dogmaticamente e previamente o trabalho de um artista.
Os comentários críticos sobre o último filme de Chantal Akerman são o exemplo desses bloqueios de avaliação. A priori, esse filme não poderia ser de Akerman... de tanto que suas condições de produção excluíam toda possibilidade de marca singular.
Chantal Akerman é uma grande figura do cinema moderno: rarefação de efeitos, fascinação urbana, coreografia de corpos apaixonados, rigor minimalista do enquadramento, interrogação das situações contemporâneas de enclausuramento. Os espectadores e críticos sempre tendem a esperar muito pela repetição, a tranquilizadora renovação dos mesmos efeitos de estilo, sem ponderar que essa expectativa pode engendrar a asfixia para um artista. Os mesmos não deixam de lamentar, de censurar a fossilização, a autocitação, o maneirismo e as receitas estilísticas. Chantal Akerman é uma cineasta cujo estilo é bem facilmente identificável, mas mais complexa do que deixa supor uma pretensa “maneira Akerman”.
Do Leste é o filme que precede Um divã em Nova York. Ele é radical e lírico, minimalista e aterrorizante. Como imaginar que Akerman pôde oferecer dois anos mais tarde uma obra cuja referência não é mais a ansiedade social e cultural da Europa pós-comunista mas o nascimento do amor entre uma jovem dançarina parisiense e um psicanalista nova-iorquino? Os travellings sistemáticos e os planos fixos das estradas desertas quase straubianos não prefiguravam os movimentos fluídos de câmera no interior de apartamento pitorescos, ou deliberadamente estereotipados, reconstituídos em Babelsberg. Da miséria que ameaça o Leste, Chantal Akerman passou sem avisar à futilidade do Oeste! É provavelmente inadmissível em nome de uma Política dos Autores que se tornou definitivamente muito correta.
Curiosa época então: Chantal Akerman varia, reaparece a cada filme de maneira decididamente inesperada, e confronta-se com a incompreensão e a expectativa necessariamente frustrada.
Então, é preciso começar do zero com sua obra e considerar esse último filme esquecendo momentaneamente aqueles que o precederam? Apenas momentaneamente, pois é quase certo que essa inocência voluntarista do espectador se opõe à obra inteira. Pois, no fundo, há nesse Divã uma mesma radicalidade, um mesmo empreendimento de redução minimalista. Não é mais a paisagem europeia, perturbada pela queda do comunismo, que é submetida a uma escrita radical, é um gênero cinematográfico, ele também extinto. A cineasta pega emprestado o gênero da “screwball comedy” dos anos trinta hollywoodianos e lhe submete às leis do cinema moderno europeu que não está longe de ser por si só um gênero para os cineastas americanos contemporâneos fascinados pela Europa.
Diríamos: impossível não pensar em Lubitsch? Mas, afinal de contas, por quê? A referência à “screwball comedy” é suficiente? Na verdade, as relações estilísticas são mais profundas. Como Lubitsch, e particularmente em Ladrão de Alcova, trata-se menos de um encontro de corpos (aqui precisamente, trata-se mais do seu cruzamento e seu distanciamento) que o de sua extensão imobiliária. Conhecemos o imaginário imobiliário de Chantal Akerman, verdadeira poética do espaço. É frequentemente a tensão e a relação entre os espaços que a cineasta mostra. O Quarto, Jeanne Dielman, o apartamento de Samy Frey e o de L’Homme à la valise (1983), os quartos de hotel de Anna... Ela se preocupa principalmente com a cenografia. Aqui são duas experiências – o americano em Paris e a francesa em Nova Iorque – de apropriação de um espaço por corpos estrangeiros. Ela filma então, ainda, uma coreografia. Então, estamos assim tão longes de seus filmes anteriores? É um acaso que Chantal Akerman encontrou um dia Pina Baush?
São duas autarquias que se afrontam em Um divã em Nova Iorque. Mesmo se o americano e a francesa não são verdadeiramente autárquicos. A mise en scène de Akerman alterna entre dois espaços fechados. Clausura acentuada pelo efeito “estúdio”, até a asfixia dos dois personagens, cuja deliciosa liberação final se realizará pela... sacada (lírico movimento de câmera para trás, para deixar os dois corpos enfim reunidos).
Qual é, no fundo, o verdadeiro tema do filme? Mais uma vez, o amor à primeira vista, ainda que poucos filmes da realizadora de Toda uma noite (1982) – este filme feito de abraços brutais - tenham feito frontalmente desse o seu tema. Toda uma noite ou Retrato de uma garota do fim dos anos 60 em Bruxelas (1993) são filmes sobre o estiramento, a dilatação, a lentidão temporal que resulta da queda na paixão. Também são filmes sobre o destino da palavra na aventura amorosa.
Para Juliette Binoche, dançarina, frente os pacientes, a palavra prima sobre os efeitos tranquilizadores do sábio domínio de si do psicanalista profissional (as visitas “médicas” lembram as visitas “amorosas” de Jeanne Dielman). Por outro lado, o psicanalista, inclinado a detectar em todos os lugares a linguagem, fica literalmente sem palavras para declarar seu choque amoroso. Do roubo das suas bagagens à desarrumação de suas roupas, seu amor à primeira vista se traduz aliás numa ruína generalizada. É preciso relembrar que Chantal Akerman, mulher de palavra, cineasta da escrita cujo livro constitui um evidente fundamento cultural e espiritual, deve saber muito sobre o que pode arruinar, dessa maneira, a expressão? Amar até não poder mais falar.
Um divã em Nova Iorque é uma história de amor como o cinema contemporâneo raramente nos oferece: Chantal Akerman sabe descrever – como sabiam os cineastas de gênero hollywoodianos – a perturbação amorosa, a inocência ou o desconhecimento do amor do outro, a ansiedade de não ser amado pelo outro na medida do seu próprio elã, os quiproquós e as usurpações involuntárias que desencadeiam a paixão, os signos exteriores da “decadência” que acompanham a queda amorosa.
Um divã em Nova Iorque é uma obra ferida. Os acasos da produção não serviram à desenvoltura da cineasta. Mas as descobertas dramáticas são tantas que não conseguimos identificar as feridas do filme. Como esse longo travelling dos dois personagens que ainda não se descobriram e que andam pelo apartamento de Nova Iorque separados pelas divisórias de vidro fosco. A dilatação temporal do encontro é acompanhada aqui de um efeito visual emocionante, como se o informe, o embaçado, materializassem o suspense no processo de descoberta do outro.
Essa elegância plástica pertence somente à cineasta de Do Leste. A videoinstalação a partir desse filme, na Galeria nacional do Jeu de Paume[1], afirmou se é que isso é ainda necessário, a união estreita na sua arte, de uma viagem ou de uma narrativa e de uma concepção muito plástica e arquitetural da mise en scène. Por que supor que, repentinamente, Chantal Akerman traiu-se “passando para o oeste” – o que hoje, de fato, significa tão pouco que outrora, escolher a liberdade?
[1] De 10 de outubro a 26 de novembro. Catálogo da exposição: Chantal Akerman: d’Est, au bord de la fiction, Réunion des Musées nationaux, Walker Art Center, 1995.
Chantal Akerman: D’Ouest foi publicado no livro Le cinéma, un art moderne, Paris, Cahiers du Cinéma, 1997, p. 88-90. Tradução: Leticia Weber Jarek.
Chantal Akerman: D’Ouest foi publicado no livro Le cinéma, un art moderne, Paris, Cahiers du Cinéma, 1997, p. 88-90. Tradução: Leticia Weber Jarek.
Nenhum comentário:
Postar um comentário